Tambores sagrados
NO CORAÇÃO DO TAMBOR
Em uma banda de rock, três instrumentos são essenciais: guitarra, baixo e bateria. Bateria é um conjunto de tambores. Se você gosta de forró, o tambor está lá, a zabumba. Se gosta de música clássica, os tímpanos estão lá. Para quem gosta de samba e axé, sabem que esses estilos musicais são basicamente conduzidos por percussões. E quem gosta de música eletrônica, não fica de fora. Por exemplo Drum n' Bass, ou seja, Tambor e Baixo.
Os tambores estão em muitos estilos musicais ao redor do mundo e são importantíssimos para transmitir a energia, modificar humores e se comunicar.


Tomando contato com o tambor
Quando fazemos exercícios de observação da natureza, podemos identificar, principalmente nos primatas, comportamentos de comunicação através de batidas. Os gorilas de dorso prateado, os silveback, batem repetidas vezes no peito para comunicar dominância e para chamar atenção de fêmeas. Chimpanzés e bonobos batem com galhos no chão e em troncos de árvores para comunicar agressividade contra o oponente e demarcação de territórios.
Tudo o que podemos falar sobre os tambores ancestrais, são hipóteses baseadas nas informações que nos chegam atualmente através dos achados históricos. Assim como nossos primos, possivelmente os nossos primeiros "toques" ritmados tenham sido batendo com galhos e ossos no chão, batendo em troncos ocos que produziam alguma acústica, até chegarmos aos modelos mais primitivos de tambores que conhecemos hoje.
Lá no início, as batidas também eram usadas para comunicação e provavelmente, somente posteriormente foram ganhando ritmo e se tornando músicas.
Imagine que em tempos remotos, as peles de animais eram essenciais para nos proteger das variações climáticas e de outros incomodos. Após abater o animal, seu couro era retirado, o sangue drenado, a gorduras raspadas, para depois ser esticado para secar sobre alguma superfície ou árvore caída. Em algum momento, durante esse processo de secagem do couro cru, o mesmo fosse colocado sobre algum tronco oco, que ao contrair o fizesse aderir e se moldar a sua base. Assim que estivesse seco e moldado ao tronco, um protótipo de membanofone haveria sido criado acidentamente, e quando tocado emitiria sons diferentes, com maior volume, vibração, alcance e força.


Ritmos e funções
Ritmos estão presentes em tudo ao nosso redor, mas estamos tão imersos na nossa realidade que não prestamos mais atenção nessas estruturas sonoras. Nossa atenção se tornou tediosamente seletiva e muitas vezes dispersa pela quantidade de informação sem conteúdo que nos chega aos ouvidos. Mas se prestarmos atenção, muitas coisas ao nosso entorno possui ritmo e pode virar música. Ao caminhar temos ritmos nos movimentos braços, nas pernas, nos pulmões, no coração e no fluxo sanguíneo, que podem se alterar conforme as influências externas.
Imagine se observarmos o canto dos pássaros, o som dos animais, o possível ritmo de batidas de galhos e folhas causadas pelos ventos ou os sons dos movimento das águas em um rio ou no quebrar das ondas no mar. Os ritmos estão presentes desde sempre em nossas vidas, nós só os deixamos de notar no dia a dia.
Os primeiros sons que ouvimos são do coração e do fluxo sanguíneo de nossas mães quando ainda estamos no ventre. Nascemos em meio a contrações frequentes, respirações ofegantes... Ritmos por todos os lados. Por fim, choramos alto, a plenos pulmões. Somos feitos de música.
Além dos ritmos inerentes as nossas vidas, os sons sempre estiveram presentes em nosssas comunicações, sejam nas primeiras vocalizações em ritmos e tons diferentes, se tornando fala, sotaques, rimas e músicas. Os tambores passam por experimentações, comunicações, modificadores de emoções, curas, contatos místicos e também se tornam músicas. Por muito tempo poucas opções de instrumentos musicais estiveram disponíveis. Alguns instrumentos de cordas, algumas formas de flautas e tambores eram os responsáveis por toda a ambientação e condução de festas populares das comunidades agrárias e reinos.
Os tambores estavam presentes em muitas ambientações e oportunidades, eventualmente sendo de extrema importância. Tambores eram tocados em festas, funerais, embarcações, guerras e também em celebrações espirituais. Sempre conduzindo emoções e ditando o ritmo das celebrações.


Conduzindo humores e falando com espiritos


A música sempre foi um condutor de pensamentos e estados emocionais. O tambor sempre foi o maior representante dessas alterações de percepção.
Em ritmos mais lentos e com sons mais graves, temos estados mais densos, introspectivos, que podem ser relaxantes ou induzir uma imersão profunda na consciência (ou inconsciência). Ritmos mais rápidos e com sons agudos provocam uma aceleração do fôlego, maior oxigenação, exaustão física e também pode promover o desligamento da percepção comum da razão e abrir portas para uma outra sentir.
Esses acessos aos mundos além da razão se tornaram uma das especialidades dos xamãs.
Diferente das definições atuais, os xamãs não eram homens e mulheres de classe média que só usavam rapé e ayahuasca. Xamã, originalmente "saman", eram os líderes místicos de tribos de um povo da Sibéria, que praticava sua espiritualidade de forma bem peculiar. Com o avanço do tempo e dos estudos antropológicos, as semelhanças de comportamentos ritualísticos, metodologias de tratamentos espirituais e de crenças espirituais foram observados em outras sociedades ao redor do mundo, então o termo “shaman” começou a ser popularizado e a definir todas as práticas semelhantes aos dos povos siberianos.
Os tambores foram encontrados em muitas dessas práticas espirituais ancestrais. Na África, na Europa, Ásia, Américas e Oceania os tambores foram muito marcantes culturalmente, sendo protagonistas na condução mágica da consciência, ou dos espíritos, para o mundo dos deuses e dos mortos.
São os tambores que convidam e anunciam a chegadas dos ancestrais, das deidades, dos deuses em muitos rituais através dos quatro cantos do planeta. Tocam ritmos que homenagem o sagrado, estimulam o êxtase, desligam a consciência lógica e acessam os aspectos obscuros da razão.
Mas por quê ainda usamos os tambores, esses intrumentos tão primitivos, nos rituais dos dias de hoje? Simples: porque funciona!
Por vezes, pensei que o tambor fosse "somente" uma maneira de levarmos a nossa consciência para um passeio pelo nosso inconsciente e depois retornar de lá com insights construtivos. Como uma forma de hackear a razão, dribrar os filtros do superego, acessar dados inacessíveis e trazê-los para a consciência sublimados em forma de magia. Pode ser? Pode, claro. Mas seria também muito interessante refletir se essa instância abstrata a qual chamamos de inconsciente é onde os "espiritos e deuses antigos" habitam. Seria como se o insconsciente fosse Avalon, um mundo mágico e expandido que existe no interior de cada indivíduo, mas que só se acessa se soubermos baixar as brumas da lógica. Porém, essa é uma afirmação que ninguém pode fazer e cabe a fé de cada um experimentar e concluir.
Esse passeio pela inconsciência, para a Avalon inconsciente, é provocado de formas muito particulares para cada um de nós. Alguns fazem exercícios de respiração, alguns meditam, alguns relaxam, alguns dançam, alguns tocam tambores. Nesse caso, o tambor faz jus ao seu título de "cavalo do xamã", que nos leva ao mundo dos espíritos para comungar com os ancestrais e com os sagrados e nos traz de volta.
A CONEXÃO COM O TAMBOR
A relação que se estabelece com um tambor pode seguir dois caminhos mais expressivos: O vínculo espiritual e o vínculo material. Qual deles é o melhor? Não sei, depende do tamboreiro. Mas vamos conversar um pouco sobre isso?
O vínculo espiritual parte de um ponto de crença animista, ou seja, o instrumento musical é carregado de energia, possui uma aura e traz em si o espírito, a consciência dos seres vivos sacrificados para a sua construção.
Nessa crença, os espíritos/forças dos animais, vegetais e possíveis minerais envolvidos no processo de confecção coabitam nesse ponto focal e sagrado de energias combinadas, unidos com os espíritos ancestrais, deidades e deuses, potencializam todo trabalho realizado com o instrumento.
O vínculo material é uma crença não animista. A força do tambor é produzida unicamente por quem toca o instrumento em comunhão com as forças alheias ao tambor, como deuses, entidades, etc. A força está unicamente no som, nas ondas e nas energias produzidas com o seu toque.
Nesse caso, apesar de não crer que o tambor seja um receptáculo de espíritos da natureza, ainda o reconhece como um instrumento sagrado para a realização do seu trabalho.
Muitas vezes, em ambos os casos, agrega-se a devoção e união com espíritos ancestrais que também eram tamboreiros, xamãs, curandeiros e outros tocadores de tambores sagrados.
Obviamente essas características não são tão rasas, nem mesmo únicas, existem inúmeras possibilidades de vinculação com o tambor. Essas são apenas duas das formas mais comuns e imediatas.
Se você ainda não sabe o que pensar sobre o assunto, aqui vai uma dica: Ao se juntar a um tambor no seu momento de compra, confecção ou quando presenteado, procure manter o tambor por perto durante alguns dias. Toque-o sempre que possível. Sinta qual tipo de relação você estabelece com o instrumento, qual tipo de consagração que lhe ocorre na mente. Deixe essas emoções, pensamentos e sensações surgirem naturalmente. Sem medo de errar, lembre-se que a chegada de um tambor é o presságio de boas mudanças.

